domingo, 9 de março de 2008

Capítulo VII - Eleito Lula, seria "Outra História"?

Em 24 de fevereiro, tomou posse a gestão Outra História, formada pelos seguintes estudantes: Luiz Gustavo Santos Cota (Gugu), Leandro Braga, Túlio César Dias Lopes, Thiago Ribeiro da Silva, Diego Omar, José Gaspar Bisco Júnior, Beatriz Pinheiro de Campos, Karla Cunha, Rafael Mansano (Lexotan) e Francisco de Castro Samarino e Souza.

A chapa concorreu sozinha às eleições e teve uma aprovação de 89% dos votantes. Na mesma oportunidade foram eleitos os representantes discentes nos órgãos colegiados. No Conselho Departamental foi eleito o aluno Fabiano Gomes da Silva, tendo José Gaspar como seu suplente. Para a Assembléia Departamental: Leandro Braga, Luiz Gustavo e Túlio Lopes, sendo Diego Omar o suplente. No Colegiado de História, Chico Samarino e o suplente Thiago Ribeiro foram os escolhidos.

O grupo viria estimulado com as expectativas de mudanças após a recente posse do presidente Lula. "Outra História" significava não apenas a vontade de se construir um movimento estudantil ativo e renovado dentro do ICHS, mas remetia também às transformações no cenário político nacional, após o fim do longo governo FHC, severamente criticado pelos movimentos sociais e pelos segmentos universitários.

Um novo governo, constituído e eleito no seio dos movimentos sociais fomentava a expectativa e a possibilidade de mudanças, além de sinalizar para a abertura de espaços de diálogo e interlocução entre governo e sociedade, contribuindo dessa maneira para que o Movimento Estudantil pudesse sair da situação defensiva que permaneceu durante toda a década de 90.

As primeiras medidas da coordenação do CAHIS foram a reabertura e a organização da sede do Centro Acadêmico, na sala I.13, que estava fechada há muitos meses. Além disso, os membros trataram de tomar as primeiras providências a fim de regularizar a situação administrativa e financeira da entidade.

Logo nas primeiras semanas da gestão, os estudantes do ICHS foram surpreendidos com a notícia da descoberta de 328 livros pertencentes à Biblioteca Alphonsus de Guimaraens, que haviam sido roubados e deixados por um ex-aluno da UFOP na pensão onde morava. O CAHIS iniciou uma cobrança sistemática às autoridades da universidade a fim de punir o responsável pelos furtos e aumentar a segurança da biblioteca do ICHS. Na época, o SISBIN realizou um levantamento e constatou que quase 900 livros estavam desaparecidos da biblioteca, o que causou grande indignação na comunidade acadêmica.

Em abril, foi realizada a primeira calourada do ano, com a presença de vários palestrantes como Celso Taveira (professor da UFOP), Caio César Boschi (professor da PUC) e Jadallah Safa (membro do Comitê Árabe Palestino de Apoio à Intifada). O show da banda Angu, Feijão e Couve encerrou o evento.

Os membros do CAHIS tiveram participação determinante no Conselho Deliberativo do DCE/UFOP, especialmente no sentido de dar condições à realização de um processo eleitoral para o Diretório Central dos Estudantes, que já estava inativo há quase dois anos. As eleições ocorreram em maio de 2003 e o curso de História participou do processo com mais de 200 eleitores, um número bastante significativo. A chapa Unidade e Luta saiu vitoriosa sobre a chapa Acima de Tudo DCE. Após as eleições, o Conselho Deliberativo do DCE elegeu como representante discente no CUNI o aluno de História Luiz Gustavo Santos Cota.

Em 21 de maio, o CAHIS convocou uma Assembléia Geral para tratar de diversos assuntos, entre eles as ameaças de greve dos funcionários da UFOP, motivadas pela PL-9 e pela Reforma da Previdência, projetos em tramitação no Congresso Nacional. Com os avanços das reformas, os movimentos sociais se viram pela primeira vez em confronto direto com o Governo Lula.

Durante a Assembléia Geral também foi realizada a eleição de um delegado e dois suplentes para 48º Congresso da UNE, que ocorreria nos dias 18 e 22 de junho, em Goiânia. O curso de História enviou o delegado Túlio Lopes e os suplentes José Gaspar e Miguel Vicentim para o 48º CONUNE. Na oportunidade, o Movimento Estudantil poderia pela primeira vez discutir de forma ampla o seu posicionamento frente ao novo governo. O CAHIS entendia que a mobilização era fundamental para dar sustentação às mudanças, por meio dos movimentos sociais. Naquele novo cenário, contudo, a autonomia do Movimento Estudantil era imprescindível.

Em junho, o CAHIS lançou o jornal Nossa História, que teria uma nova edição em outubro do mesmo ano. O jornal trazia informações sobre a entidade, sobre o Instituto e a Universidade, artigos dos estudantes, além de entrevistas com professores do Departamento de História.

Em setembro, foi realizada a Calourada 2003/2, que contou com vários eventos (palestras, minicursos, exibições de filmes, apresentação de peças teatrais) e a presença de palestrantes de fora, como Pedro Krettli, membro do Comitê Mineiro do Fórum Social Mundial, e o Prof. Dr. Luciano Raposo Figueiredo, da UFF. Um festival de bandas beneficente encerrrou a semana de recepção aos calouros.

Uma nova Assembléia Geral foi convocada para apreciar o novo estatuto do CAHIS, proposto pela gestão Outra História. A reformulação estatutária estava incluída no projeto de regularizar a situação administrativa e financeira da entidade e tinha como princípio ampliar os espaços de participação dos estudantes no Centro Acadêmico, tornando a administração mais transparente e democrática. Para isso, o novo estatuto previa o desmembramento do Coordenador Geral em dois cargos, além de criar o Conselho Fiscal e Deliberativo. O documento ainda regulamentava o processo eleitoral, inclusive para as representações discentes nos órgãos colegiados. A proposta foi aprovada pela AG, que aprovou ainda o pedido de prorrogação do fim da gestão, visto que este se daria no período das férias, o que impossibilitaria a realização de um novo processo eleitoral. A gestão se estenderia, portanto, até maio do ano seguinte.

A gestão Outra História realizou uma terceira calourada em março de 2004, que marcou o fim do mandato para o qual seus membros foram eleitos.

Entre as aquisições do CAHIS durante esse período, estão a geladeira e o totó (pebolim). O CAHIS ainda conseguiu um microcomputador, cedido pela administração do ICHS.

Durante a gestão Outra História, foram organizadas duas Copas CAHIS de futsal e uma campanha contra os fura-filas do bandejão. O CAHIS ainda apoiou sistematicamente projetos de iniciativa dos estudantes, como o Gramophone (evento cultural que tinha por finalidade apresentar a obra musical de grupos e artistas anteriores à década de 80) realizado pelos moradores da república Calangos, e o Cinergia (exibição e discussão de obras cinematográficas, incluindo uma sessão especial de filmes de terror à meia-noite), do aluno Fábio Monteiro.

As areias do tempo

Luiz Gustavo Santos Cota - discurso de formatura da turma 2004/2 do curso de História da Universidade Federal de Ouro Preto.

As areias do tempo correram depressa. Quatro anos não parecem muito quando recordamos tudo que se passou desde o primeiro dia de aula. Talvez porque o ritmo das ampulhetas que regulam nossas lembranças seja diferente do relógio ou do calendário, variando de acordo com a pessoa, de acordo com sua história.Falando em história, quantas vezes fomos interrogados por parentes e amigos sobre ela: Pra que serve isso? Como assim história? É história do que? Você vai dar aula? Mas certamente não somos os únicos a ter sofrido tal interrogatório. Durante a Segunda Guerra uma pergunta semelhante foi feita ao grande historiador francês Marc Bloch por um de seus filhos.

Na época, a curiosidade de um filho rendeu ao historiador uma profunda reflexão sobre a História como ramo da ciência e sobre o próprio ofício de historiador. Assim, talvez seja de Bloch a melhor definição de História: “a ciência dos homens no tempo”. A ciência que dá voz aos mortos e aos vivos, a massas de anônimos que povoaram este mundo, a aqueles que escreveram seus nomes nas indeléveis linhas do tempo. As personagens principais de sua narrativa são indistintamente todos os seres humanos. Todos, de alguma forma, foram, durante sua vida, agentes das mudanças ocorridas na sociedade, no mundo. A dona de casa, o soldado raso e o mendigo podem hoje ser encontrados nas páginas da história, assim como os grandes generais e estadistas do passado.

Ao contrário do que muitas vezes se pensa o passado não é o único lugar no tempo para onde olha o historiador. O presente que é formado e tornado inteligível através do passado, pasmem, também é história. Afinal de contas o historiador é produto de seu tempo, de seu presente. Tempo às vezes distante daquele em que lança seu olhar.Mas o que terá nos atraído pra essa complicada área do conhecimento? Acredito que a resposta possa ser encontrada nos tempos de colégio. Não são poucos os relatos entre nós, que citam a intrigante figura do professor que conseguiu despertar-nos para História. Aquele que conseguiu, de alguma forma, transformar um emaranhado de datas e nomes em algo que beirava o fantástico ou poético. Não eram mais fatos e nomes, mas problemas a serem pensados e criticados. Infelizmente, nem todos tem a mesma oportunidade de enxergar a poesia da história e de todas as outras disciplinas. Aqui está nosso maior problema.

Ser educador em um país ainda coberto pela desigualdade social e pelo descaso com a educação de seu povo é algo trágico para não dizer desesperador. Os problemas a serem enfrentados por nós e nossos colegas são tão variados quanto numerosos, mas ainda existe luz no fim do túnel. Cabe a nós o esforço para reverter este quadro nefasto impedindo a incessante reprodução de analfabetos funcionais e indivíduos desestimulados. Não quero dizer que somos nós, os educadores, os salvadores da pátria, mas aqueles que podem efetivamente, mesmo com todos os problemas, plantar as sementes para uma mudança.

Penso agora em outro historiador francês, Georges Duby, que dizia que enquanto historiadores prestamos um serviço à sociedade, tendo como obrigação manter vivo o espírito crítico entre os homens. Espírito crítico que nos últimos tempos tem andado meio sumido dos corredores da universidade, instituição do dito ensino superior, local privilegiado da discussão, da busca do conhecimento e da diversidade cultural. Pensando na UFOP, percebemos que ela não vive a acepção máxima da palavra universidade por conta dos bairrismos de curso e outros problemas que bem conhecemos. A busca do conhecimento e o convívio com a pluralidade de pensamento são substituídos pela distância, ou melhor, pela ignorância.

O ensino superior público neste país atravessa um momento delicado. Baixos investimentos, problemas de estrutura física, acadêmica e até ideológica colocam nossas universidades em situação difícil. Há de se destacar que mesmo com todos os problemas enumerados, a universidade resiste com a luta de alunos, professores e funcionários que fazem com que o ensino superior público ainda seja sinônimo de ensino e produção científica de excelência. Contudo, reitero que mudanças são imprescindíveis agora. O governo deve assumir sua responsabilidade para com a educação no país, tanto a fundamental quanto a superior. E nós, cidadãos, também devemos nos conscientizar da real importância desse espaço para nossas vidas.

Mas mudando um pouco o rumo desta “prosa”, volto novamente minhas palavras para a turma de história 2004/2. Aqueles que, em sua maioria, chegaram nessa universidade à exatamente quatro anos, no dia 12 de fevereiro de 2001. Nesse momento, não somos mais os historiadores, mas o objeto estudado. Não sei se todos lembram da metáfora do anjo de Walter Benjamim, mas acho que ela se encaixa um pouco aqui. Na referida metáfora, o historiador é um anjo que sobrevoa uma cidade em ruínas. Intrigado com o que teria acontecido naquele local, o anjo quer descer e despertar os mortos de seu sono e lhes perguntar o que aconteceu. O problema é que a cada morto ressuscitado a versão do ocorrido muda.

Assim como os mortos da metáfora de Benjamim, cada um de nós guardará para sempre uma versão particular do que aconteceu durante nosso curso. Cada um lembrará de uma forma particular das provas de 500 páginas do Renato, das chatices do Baiano, das partidas de totó no CAHIS, das palestras da calourada, do campeonato de futebol, das ruas tortas de Ouro Preto e Mariana, das vezes que voltou sujo de “lama” do rock e dos amigos e amores que conquistamos nesse tempo.

Assim meus amigos, as areias do tempo continuam correr. Cada um com sua ampulheta seguimos nossa história. Aquele abraço.

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